Grupo internacional, com participação brasileira, consegue pela primeira vez produzir núcleos atômicos de antimatéria "estranha" por meio da colisão de íons de ouro em feixes de alta energia. Estudo foi publicado na Science (Foto: Cooperação Star)
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Para além da tabela periódica
5/3/2010Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Um grupo internacional de cientistas, com participação brasileira, conseguiu a primeira evidência experimental de que núcleos atômicos compostos de antimatéria "estranha" podem ser produzidos pela colisão de íons de ouro em alta energia.
A capacidade para formar em abundância essas partículas exóticas, segundo os autores, poderá ser fundamental para por à prova aspectos fundamentais da física nuclear, da astrofísica e da cosmologia.
O experimento, realizado pela Colaboração Star – que reúne 584 cientistas de 54 instituições em 12 países diferentes – foi produzido no Colisor Relativístico de Íons Pesados (RHIC, na sigla em inglês), localizado nos Estados Unidos. Os resultados foram publicados nesta sexta-feira (5/3) no site da revista Science.
Os coautores brasileiros são Alejandro Szanto Toledo, Alexandre Suaide e Marcelo Munhoz – todos eles professores do Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) –, Jun Takahashi, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e seus orientandos de doutorado Rafael Derradi de Souza e Geraldo Vasconcelos.
De acordo com Toledo, que é diretor do IF-USP desde 2006, a participação dos cientistas paulistas na colaboração contou com diversos auxílios da FAPESP. Toledo coordena atualmente o Projeto Temático “Reações nucleares nos regimes relativístico e astrofísico”, apoiado pela Fundação. Takahashi, atualmente na Unicamp, foi seu orientando de pós-doutorado na USP, com Bolsa da FAPESP.
Segundo Toledo, o artigo descreveu a primeira observação da formação de um anti-hipernúcleo. De acordo com ele, uma colisão de íons pesados em alta energia, como a que foi produzida no RHIC, gera uma grande quantidade de partículas. Em tese, quando a energia é superior a duas vezes a massa de determinado hádron, antipartículas desse hádron podem ser geradas, o que ocorre quando a transição de fase é atingida
“Essas antipartículas são submetidas à coalescência – um processo análogo à condensação – e algumas delas podem agregar, por exemplo, dois antinêutrons e um antipróton, formando um antitrítio – isto é, um núcleo de antimatéria correspondente ao do átomo de trítio – o isótopo do hidrogênio que possui dois nêutrons e um próton”, disse Toledo à Agência FAPESP.
O experimento, segundo o professor, formou hádrons – partículas formadas por quarks, como os prótons e nêutrons – que possuem um chamado quark estranho, formando o chamado hipernúcleo. No modelo padrão da física de partículas, o quark estranho é aquele que possui o novo número quântico conhecido como “estranheza”.
“Esse hipernúcleo formado, que é um antiestranho, é feito de antimatéria. Essa é a primeira vez em que se conseguiu uma evidência experimental de um anti-hipernúcleo. Ou seja, obtivemos um núcleo que está fora do espaço biparamétrico da tabela periódica. Trata-se, portanto, de antimatéria estranha”, explicou Toledo.
Segundo ele, já se havia obtido antiprótons e antielétrons – ou pósitrons. Mas é a primeira vez que se obtém um anti-hipernúcleo, que é algo bem mais complexo e mais raro. “Estamos felizes por termos um grupo de São Paulo participando do trabalho, porque trata-se de fato de uma descoberta”, destacou.
Toledo explicou que a reação foi produzida nos mais altos níveis de energia atingidos pelo RHIC. Essa região de alta densidade de energia foi formada pela colisão de dois núcleos de ouro a 200 gigaelétron-volts (GeV).
“Como se trata de um anel de colisão, a energia no centro de massa é de 200 GeV: uma quantidade de energia suficientemente grande para derreter a matéria nuclear e provocar uma transição de fase. Com isso, conseguimos passar da matéria hadrônica para a matéria conhecida como quark-glúon plasma”, explicou.
Eixo da estranheza
Esse novo estado da matéria nuclear originado da transição de fase, de acordo com Toledo, também foi observado pela primeira vez de forma conclusiva no RHIC. É esse estado que possibilitou a formação da coalescência, produzindo os anti-hipernúcleos.
“Para se ter uma ideia da eficiência do processo, basta dizer que, em 100 milhões de colisões, 70 foram observadas. Para reconhecer essas 70 colisões, foi preciso fazer um trabalho de identificação dessas partículas e de seus descendentes em um meio superpovoado com todas as partículas criadas pela colisão. Algo como encontrar uma agulha em um palheiro. O filtro necessário para detectar essas partículas teve que ser desenhado com extrema precisão”, disse.
A partir desses resultados, segundo Toledo, um dos caminhos possíveis consiste em prosseguir com os experimentos até a construção de uma nova tabela periódica. A próxima meta planejada, de acordo com ele, é a criação de um anti-hélio: uma partícula alfa de antimatéria.
“Quanto mais complexo é o antinúcleo, menor a probabilidade de coalescência. O anti-trítio é composto de três partículas. Mas se quisermos um anti-hélio, vamos precisar de quatro partículas na mesma região do espaço: dois antiprótons e dois antinêutrons. Não será fácil, mas a Colaboração Star irá enveredar por essa direção”, afirmou.
Outro caminho para as investigações, segundo Toledo, consiste em colocar à prova as leis fundamentais da física de partículas. “Por exemplo, sabemos que a tabela periódica até recentemente possuía dois eixos: o número de prótons e o número de nêutrons. Se estendermos a tabela, podemos encontrar também o número de antiprótons e de antinêutrons no mesmo plano. Com isso, poderíamos criar um terceiro eixo na tabela, que nunca foi observado e é perpendicular aos outros dois: o eixo da estranheza”
O artigo Observation of an Antimatter Hypernucleus (DOI: 10.112
Agência FAPESP – Um grupo internacional de cientistas, com participação brasileira, conseguiu a primeira evidência experimental de que núcleos atômicos compostos de antimatéria "estranha" podem ser produzidos pela colisão de íons de ouro em alta energia.
A capacidade para formar em abundância essas partículas exóticas, segundo os autores, poderá ser fundamental para por à prova aspectos fundamentais da física nuclear, da astrofísica e da cosmologia.
O experimento, realizado pela Colaboração Star – que reúne 584 cientistas de 54 instituições em 12 países diferentes – foi produzido no Colisor Relativístico de Íons Pesados (RHIC, na sigla em inglês), localizado nos Estados Unidos. Os resultados foram publicados nesta sexta-feira (5/3) no site da revista Science.
Os coautores brasileiros são Alejandro Szanto Toledo, Alexandre Suaide e Marcelo Munhoz – todos eles professores do Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) –, Jun Takahashi, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e seus orientandos de doutorado Rafael Derradi de Souza e Geraldo Vasconcelos.
De acordo com Toledo, que é diretor do IF-USP desde 2006, a participação dos cientistas paulistas na colaboração contou com diversos auxílios da FAPESP. Toledo coordena atualmente o Projeto Temático “Reações nucleares nos regimes relativístico e astrofísico”, apoiado pela Fundação. Takahashi, atualmente na Unicamp, foi seu orientando de pós-doutorado na USP, com Bolsa da FAPESP.
Segundo Toledo, o artigo descreveu a primeira observação da formação de um anti-hipernúcleo. De acordo com ele, uma colisão de íons pesados em alta energia, como a que foi produzida no RHIC, gera uma grande quantidade de partículas. Em tese, quando a energia é superior a duas vezes a massa de determinado hádron, antipartículas desse hádron podem ser geradas, o que ocorre quando a transição de fase é atingida
“Essas antipartículas são submetidas à coalescência – um processo análogo à condensação – e algumas delas podem agregar, por exemplo, dois antinêutrons e um antipróton, formando um antitrítio – isto é, um núcleo de antimatéria correspondente ao do átomo de trítio – o isótopo do hidrogênio que possui dois nêutrons e um próton”, disse Toledo à Agência FAPESP.
O experimento, segundo o professor, formou hádrons – partículas formadas por quarks, como os prótons e nêutrons – que possuem um chamado quark estranho, formando o chamado hipernúcleo. No modelo padrão da física de partículas, o quark estranho é aquele que possui o novo número quântico conhecido como “estranheza”.
“Esse hipernúcleo formado, que é um antiestranho, é feito de antimatéria. Essa é a primeira vez em que se conseguiu uma evidência experimental de um anti-hipernúcleo. Ou seja, obtivemos um núcleo que está fora do espaço biparamétrico da tabela periódica. Trata-se, portanto, de antimatéria estranha”, explicou Toledo.
Segundo ele, já se havia obtido antiprótons e antielétrons – ou pósitrons. Mas é a primeira vez que se obtém um anti-hipernúcleo, que é algo bem mais complexo e mais raro. “Estamos felizes por termos um grupo de São Paulo participando do trabalho, porque trata-se de fato de uma descoberta”, destacou.
Toledo explicou que a reação foi produzida nos mais altos níveis de energia atingidos pelo RHIC. Essa região de alta densidade de energia foi formada pela colisão de dois núcleos de ouro a 200 gigaelétron-volts (GeV).
“Como se trata de um anel de colisão, a energia no centro de massa é de 200 GeV: uma quantidade de energia suficientemente grande para derreter a matéria nuclear e provocar uma transição de fase. Com isso, conseguimos passar da matéria hadrônica para a matéria conhecida como quark-glúon plasma”, explicou.
Eixo da estranheza
Esse novo estado da matéria nuclear originado da transição de fase, de acordo com Toledo, também foi observado pela primeira vez de forma conclusiva no RHIC. É esse estado que possibilitou a formação da coalescência, produzindo os anti-hipernúcleos.
“Para se ter uma ideia da eficiência do processo, basta dizer que, em 100 milhões de colisões, 70 foram observadas. Para reconhecer essas 70 colisões, foi preciso fazer um trabalho de identificação dessas partículas e de seus descendentes em um meio superpovoado com todas as partículas criadas pela colisão. Algo como encontrar uma agulha em um palheiro. O filtro necessário para detectar essas partículas teve que ser desenhado com extrema precisão”, disse.
A partir desses resultados, segundo Toledo, um dos caminhos possíveis consiste em prosseguir com os experimentos até a construção de uma nova tabela periódica. A próxima meta planejada, de acordo com ele, é a criação de um anti-hélio: uma partícula alfa de antimatéria.
“Quanto mais complexo é o antinúcleo, menor a probabilidade de coalescência. O anti-trítio é composto de três partículas. Mas se quisermos um anti-hélio, vamos precisar de quatro partículas na mesma região do espaço: dois antiprótons e dois antinêutrons. Não será fácil, mas a Colaboração Star irá enveredar por essa direção”, afirmou.
Outro caminho para as investigações, segundo Toledo, consiste em colocar à prova as leis fundamentais da física de partículas. “Por exemplo, sabemos que a tabela periódica até recentemente possuía dois eixos: o número de prótons e o número de nêutrons. Se estendermos a tabela, podemos encontrar também o número de antiprótons e de antinêutrons no mesmo plano. Com isso, poderíamos criar um terceiro eixo na tabela, que nunca foi observado e é perpendicular aos outros dois: o eixo da estranheza”
O artigo Observation of an Antimatter Hypernucleus (DOI: 10.112
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