quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Desintegração Radioativa



       A maior parte dos núcleos são instáveis, ou seja, as respectivas combinações de prótons e nêutrons não originam configurações nucleares estáveis. Esses núcleos, chamados radioativos, se transformam pela emissão de partículas a, elétrons, pósitrons, neutrinos e radiação eletromagnética (fótons g).

     Na tabela de núcleos abaixo, cada núcleo é representado por um ponto (quadrado ou losando). Por exemplo, o núcleo de urânio 238 é representado pelo ponto correspondente a 92 no eixo horizontal (eixo do número de prótons ou número atômico, Z) e 238 - 92 = 146 no eixo vertical (eixo do número de nêutrons, N).

     Os núcleos associados aos pontos de uma mesma coluna são os isótopos do elemento com o número atômico correspondente. Os núcleos associados aos pontos da reta marcada Z = N são aqueles para os quais o número de prótons é igual ao número de nêutrons. Alguns núcleos estáveis pequenos têm Z = N.



     Uma característica importante dos núcleos é a sua razão N / Z.
     Para o núcleo de hidrogênio 2 (Z = 1) e para o núcleo de hélio 4 (Z = 2), N / Z = 1, para o núcleo de ferro 56 (Z = 26), N / Z = 30 / 26 = 1,16 e para o núcleo de bismuto 209 (Z = 83), N / Z = 126 / 83 = 1,25. Todos são núcleos estáveis.
     Com o aumento do número atômico dos núcleos estáveis, aumenta o valor da razão N / Z.
     A curva que marca a tendência dos pontos associados aos núcleos estáveis é chamada curva de estabilidade. A inclinação dessa curva representa a razão N / Z.
     De modo geral, os núcleos radioativos tendem a decair produzindo núcleos estáveis, isto é, núcleos associados a pontos fora da curva de estabilidade tendem a se transformar em núcleos associados a pontos na curva de estabilidade.
     Núcleos radioativos associados a pontos localizados abaixo e à esquerda da curva de estabilidade têm razões N / Z muito grandes para serem estáveis. Esses núcleos, como o núcleo de prata 111 (Z = 47), por exemplo, têm excesso de nêutrons.
     O ponto associado ao núcleo filho vai estar mais perto da curva de estabilidade se o núcleo de prata 111 emitir um elétron, reduzindo o número de nêutrons e aumentando o número de prótons (decaimento b). Com uma probabilidade muito pequena pode acontecer diretamente a emissão de um nêutron, como no caso do núcleo de kriptônio 87:

     87Kr36  86Kr36 + n

     Núcleos radioativos associados a pontos localizados acima e à direita da curva de estabilidade têm razões N / Z muito pequenas para serem estáveis.
     Esses núcleos têm excesso de prótons e tendem a decair emitindo uma partícula a(decaimento a) ou um pósitron (decaimento b).
      Núcleos grandes, como os núcleos de urânio 235 e de urânio 238, têm maior probabilidade de ajustar a razão N / Z reduzindo o número de nêutrons e o número de prótons ao mesmo tempo, ou seja, emitindo partículas a.
     Núcleos menores tendem a aumentar o número de nêutrons e reduzir o número de prótons ao mesmo tempo e o fazem emitindo pósitrons.



     Decaimento a

     No decaimento a, o núcleo pai emite uma partícula a, composta de dois prótons e dois nêutrons. Assim, quando um núcleo emite uma dessas partículas, seu número atômico diminui de duas unidades e o seu número de massa, de quatro unidades:

     AXZ  - 4Y- 2 + a

     O núcleo AXZ é chamado núcleo pai e o núcleo - 4Y- 2 é chamado núcleo filho. Por exemplo:

     232U92  228Th90 + a

     Os núcleos emissores de partícula a são, principalmente, aqueles com grande número de massa, onde a repulsão coulombiana entre os prótons é muito grande. O mesmo tipo de núcleo pode emitir partículas a com diferentes energias porque o núcleo filho pode estar no estado fundamental ou em um estado excitado.
     Se o núcleo filho está em um estado excitado ele passa, posteriormente, ao estado fundamental, por emissão de radiação eletromagnética (radiação g). Assim, o decaimento apode ser acompanhado de decaimento g.
     Normalmente as partículas a podem ser bloqueadas por uma folha de papel.
     A energia liberada no decaimento a pode ser calculada pela seguinte expressão, que vem diretamente do princípio de conservação da energia:

     Q = [ M(X) - M(Y) - m(a) ] c2

onde M(X), M(Y) e m(a) são, respectivamente, as massas do núcleo pai, do núcleo filho e da partícula a.
     Para a reação de decaimento do urânio 232 dada acima, como:

     M(U) = 232,1095 u
     M(Th) = 228,0998 u
     m(a) = 4,0026 u
     uc2 = 931, 4815 MeV

segue-se que:

     Q = [ 232,1095 - 228,0998 - 4,0026 ] 931,4815 MeV = 6,6135 MeV

     O valor positivo para a energia liberada significa que o processo pode ocorrer espontaneamente. Esta energia fica distribuída entre o núcleo filho e a partícula a em proporções diferentes.


     Para calcular estas proporções, suponha-se o núcleo pai em repouso no momento do decaimento e o núcleo filho no seu estado fundamental. Então, o princípio de conservação da energia fornece:

     Q = Ky + Ka

onde:

     Ky = ½ M(Y) vy2
     Ka = ½ m(a) va2

     O princípio de conservação da quantidade de movimento fornece:

     M(Y) vy = m(a) va

     Isolando vy desta expressão e colocando na outra, vem:

     Q = Ka [ m(a) / M(Y) + 1 ]

e daí:

     Ka = QM(Y) / [ m(a) + M(Y) ]

     E desta expressão, com va da expressão da conservação da quantidade de movimento, segue-se que:

     Ky = Qm(a) / [ m(a) + M(Y) ]

     Assim, as energias cinéticas da partícula a e do núcleo filho são inversamente proporcionais às respectivas massas. Isso fica mais claro dividindo-se uma pela outra as expressões acima, resultando:

     Ka / Ky = M(Y) / m(a)

     Portanto, para a reação de decaimento do urânio 232 dada acima, as energias cinéticas da partícula a e do núcleo filho, ficam:

     Ka = 6,6135 MeV ( 228,0998 u ) / ( 228,0998 u + 4,0026 u ) = 6,4995 MeV

     KTh = 6,6135 MeV ( 4,0026 u ) / ( 228,0998 u + 4,0026 u ) = 0,1140 MeV

     Nenhum núcleo decai espontaneamente com emissão de prótons, nêutrons, dêuterons ou qualquer outro tipo de grupo de núcleons porque os correspondentes valores de Q são negativos. Por exemplo, para o processo:

     232U92  231U92 + n

com:

     M(232U) = 232,1095 u
     M(231U) = 231,1082 u
     m(n) = 1,0087 u
     uc2 = 931, 4815 MeV

segue-se:

     Q = [ 232,1095 - 231,1082 - 1,0087 ] 931,4556 MeV = - 6,8928 MeV

     Portanto, o núcleo de urânio 232 é estável em relação ao decaimento pela emissão de um nêutron.
     As desintegrações mencionadas acima só podem ocorrer com o fornecimento de energia para o núcleo pai para levá-lo a um estado excitado. Esse tipo de processo é o que mais propriamente se chama de reação nuclear.

     Decaimento b

     Quando o número de nêutrons é grande comparado ao número de prótons, o núcleo correspondente pode ser instável e o número de nêutrons pode ser diminuído pela transformação de um nêutron num próton. Essa transformação é acompanhada da emissão de um elétron e de um anti-neutrino:

     n  p + e- + n*

     O núcleo filho tem o mesmo número de massa que o núcleo pai, mas um número atômico com uma unidade a mais:

     AXZ  AYZ + 1 + e- + n*

     Exemplo:

     14C6  14N7 + e- + n*

     Um nêutron livre, isto é, não pertencente a qualquer núcleo, se transforma num próton segundo a equação acima com uma meia vida de cerca de 12 minutos.
     Quando o número de prótons é relativamente grande comparado ao número de nêutrons, o núcleo correspondente pode ser instável e o número de prótons pode ser diminuído pela transformação de um próton num nêutron. Essa transformação é acompanhada da emissão de um pósitron (partícula idêntica ao elétron, exceto pela carga, que é positiva) e de um neutrino:

     p  n + e+ + n

     O núcleo filho tem o mesmo número de massa que o núcleo pai, mas um número atômico com uma unidade a menos:

     AXZ  AY- 1 + e+ + n

     Exemplo:

     11C6  11B5 + e+ + n

     O núcleo filho resultante do decaimento b pode estar no estado fundamental ou num estado excitado. Neste último caso, o processo é seguido de decaimento g.
     Uma característica interessante do decaimento b é que os elétrons e antineutrinos ou os pósitrons e neutrinos são emitidos com um espectro contínuo de energia, ou seja, cada tipo de partícula pode ter um valor de energia dentro de certo intervalo que vai de zero até um valor máximo compatível com o princípio de conservação da energia.
     Quanto maior a energia do elétron (pósitron) emitido, menor a energia do antineutrino (neutrino) emitido. Quando o elétron (pósitron) tem a energia máxima, não existe antineutrino (neutrino) emitido.
     Em processos de dois corpos, como o decaimento a, os princípios de conservação da energia e da quantidade de movimento exigem que, no referencial do centro de massa, onde o núcleo pai está em repouso, a energia liberada seja dividida entre o núcleo filho e a única partícula emitida numa proporção fixa.
     Os elétrons e pósitrons associados ao decaimento b, em sua grande maioria, podem ser bloqueados por uma lâmina de alumínio de cerca de 6 mm de espessura.

     Captura Eletrônica

     Os elétrons das camadas mais internas dos átomos podem se aproximar bastante do núcleo. Em particular, aqueles da camada K, que é a mais interna. Um próton do núcleo pode capturar um desses elétrons e o processo se chama captura eletrônica. Se o elétron capturado estava na camada K, o processo é chamado captura K. O resultado é a substituição de um próton do núcleo por um nêutron:

     AXZ + e-  AY- 1 + n

ou, em termos elementares:

     p + e-  n + n

     A captura eletrônica é seguida pela emissão de radiação eletromagnética (raios x) pelo núcleo filho, resultante da passagem de um dos elétrons das camadas mais externas à lacuna da camada interior deixada pelo elétron capturado.
     O efeito da captura eletrônica é a mudança de um próton em um nêutron e, nesse sentido, o seu efeito sobre o núcleo é idêntico ao efeito produzido pela emissão b+.
     Exemplo:

     48V23 + e-  48Ti22 + n

     48V23  48Ti22 + e+ + n

     O núcleo de vanádio 48 se transforma no núcleo de titânio 48 algumas vezes por captura K e algumas vezes por decaimento b+.

     Decaimento g

     O decaimento g é a emissão de radiação eletromagnética com freqüências muito elevadas, na porção do espectro eletromagnético correspondente aos raios g, causada por um rearranjo dos prótons em um núcleo.
     Pode acontecer, por exemplo, quando um núcleo sofre decaimento a ou b, deixando o núcleo filho em um estado excitado. Este, então, ao passar ao estado fundamental, emite radiação g.
     De modo geral, o núcleo filho permanece no estado excitado, antes de emitir o fóton, por cerca de 10-12 segundos.
     Um fóton g tem massa (de repouso) nula e carga também nula, de modo que a emissão de um fóton g por um núcleo não tem efeito sobre o seu número atômico nem sobre o seu número de massa.
     Os fótons g emitidos por núcleos radioativos têm energias entre 10-3 a 1 MeV e podem ser bloqueados por uma lâmina de chumbo com vários centímetros de espessura.

     Séries Radioativas

     Existe um grande número de núcleos com Z > 80, assim como alguns núcleos com Z pequeno, como do carbono 14 e do potássio 40, que são naturalmente radioativos. E existe um número muito maior de núcleos radioativos artificiais, produzidos em reatores e aceleradores de partículas.
     Quando um núcleo radioativo decai, o núcleo filho no seu estado fundamental pode ser, ele também, radioativo, e decair, por sua vez, para formar um outro núcleo radioativo, e assim por diante.
     Esse processo pode se prolongar por vários estágios, formando uma série de gerações de núcleos relacionados um ao próximo da série como pai para filho.
     Os núcleos radioativos se agrupam em quatro cadeias ou séries de decaimento: a série 4n, que começa com o núcleo de tório 232, a série 4n + 2, que começa com o núcleo de urânio 238, a série 4n + 3, que começa com o núcleo de urânio 235, e a série 4n + 1, que começa com o núcleo de netúnio 237.
     As três primeiras séries são naturais e a quarta, artificial.
     As séries terminam em núcleos estáveis.
     São quatro as séries porque quatro é o número de massa da partícula a e também, porque enquanto o decaimento a ocasiona uma diminuição de quatro unidades no número de massa do núcleo pai para o núcleo filho, os decaimentos b e g não ocasionam mudança nesse número.
     Cada série tem um nome que caracteriza os números de massa dos seus membros. Assim, todos os membros da série 4n têm número de massa que pode ser escrito A = 4n, com n inteiro, começando com o núcleo de tório 232, para o qual n = 58.


     Todos os membros da série 4n + 1 têm número de massa que pode ser escrito A = 4n + 1, com n inteiro, começando com o núcleo de netúnio 237, para o qual n = 59.
     Todos os membros da série 4n + 2 têm número de massa que pode ser escrito A = 4n + 2, com n inteiro, começando com o núcleo de urânio 238, para o qual n = 59.


     Todos os membros da série 4n + 3 têm número de massa que pode ser escrito A = 4n + 3, com n inteiro, começando com o núcleo de urânio 235 para o qual n = 58.
     As séries 4n, 4n + 2 e 4n + 3 ocorrem naturalmente porque os respectivos núcleos pais têm meias vidas muito longas e a série 4n + 1 não ocorre naturalmente porque a meia vida do respectivo núcleo pai é curta comparada ao tempo de vida da Terra (da ordem de 109 anos).







Série






Núcleo Pai






Meia Vida (em anos)






4n






Tório 232






2,01 x 1010






4n + 1






Netúnio 237






3,25 x 106






4n + 2






Urânio 238






6,52 x 109






4n + 3






Urânio 235






1,02 x 109


     As meias vidas dos núcleos de uma dada série se distribuem num intervalo extremamente grande de valores. Na série 4n + 2 (urânio 238), por exemplo, as meias vidas variam desde 10-4segundos até 109 anos.
     Em geral, encontram-se meias vidas tão curtas quanto 10-11 segundos e tão longas quanto 1015 anos.
     Como exemplo, a tabela abaixo mostra quase todos os núcleos da série 4n + 2 (urânio 238) e os correspondentes decaimentos e meias vidas.







Núcleo






Símbolo






Decaimento






Meia Vida






Urânio 238






238U92






a






4,5 x 109 anos






Tório 234






234Th90






b






24 dias






Protactínio 234






234Pa91






b






1,2 minutos






Urânio 234






234U92






a






2,5 x 105 anos






Tório 230






230Th90






a






8 x 104 anos






Rádio 226






226Ra88






a






1.620 anos






Radônio 222






222Rn86






a






3,82 dias






Polônio 218






218Po84






a






3 minutos






Chumbo 214






214Pb82






b






27 minutos






Bismuto 214






214Bi83






b






19 minutos






Polônio 214






214Po84






a






1,6 x 10 -4 segundos






Chumbo 210






210Pb82






b






22 anos






Bismuto 210






210Bi83






b






5 dias






Polônio 210






210Po84






a






138 dias






Chumbo 206






206Pb82






---






( Estável )


     Lei do Decaimento Radioativo

     Os processos radioativos seguem uma lei de desintegração exponencial. Se, inicialmente, o número de núcleos radioativos de um tipo é No, o número de núcleos desse mesmo tipo remanescentes após um tempo t é:

     N(t) = No e- l t

onde l é a constante de desintegração (ou constante de decaimento), característica do núcleo em questão.


     O intervalo de tempo T, durante o qual metade dos núcleos radioativos de um tipo presentes na amostra decaem, é chamado meia vida. Por exemplo, uma amostra radioativa de 200 g de um certo isótopo radioativo com uma meia vida de 10 dias, depois de 30 dias terá 25 g do isótopo original.
     Agora, pela expressão acima:

     ½ No = No e- lT

de onde se tira:

     T = 0,6931 / l

     As meias vidas dos núcleos radioativos têm valores que vão desde frações de segundo a um número muito grande de anos e isso inclusive entre os isótopos de um mesmo elemento da tabela periódica.
     A tabela abaixo mostra o tipo de decaimento e a meia vida dos isótopos do urânio. A fissão espontânea não é, estritamente falando, um processo de decaimento. De qualquer modo, na tabela assinala-se com um asterisco o número de massa dos isótopos que estão sujeitos a tal processo.







A






Decaimento






Meia Vida






A






Decaimento






Meia Vida






230






a






20,8 dias






235*






a






7,04 x 108 anos






231






Captura K






4,2 dias






236*






a






2,34 x 107 anos






232*






a






70 anos






237






b-






6,75 dias






233*






a






1,59 x 105 anos






238*






a






4,47 x 109 anos






234*






a






2,47 x 105 anos






240






b-






14,1 horas


     Atividade

     O número de desintegrações de núcleos radioativos de uma dada amostra por unidade de tempo chama-se atividade dessa amostra. Pela expressão matemática da lei do decaimento segue-se que a atividade A(t), no instante t, pode ser escrita:

     A(t) = [ DN(t) / Dt ] D 0 = - lNo e- l t = - lN(t)

     Esta expressão é interessante porque mostra que o número de desintegrações de um tipo de núcleo radioativo por unidade de tempo é proporcional ao número de tais núcleos presentes. Assim, a atividade associada a um tipo de núcleo numa dada amostra diminui na mesma proporção e com a mesma meia vida do número de tais núcleos presentes.
     A atividade é expressa em curies:

     1Ci = 3,7000 x 1010 núcleos / s

     As expressões dadas acima para N(t) e A(t) expressam leis estatísticas que são verdadeiras apenas quando o número de núcleos radioativos é muito grande.
     Dado um único núcleo radioativo, não se pode determinar o instante de tempo em que ele decairá nem associar a ele uma determinada meia vida. Mas, pode-se calcular, a partir de certas considerações teóricas, a probabilidade de decaimento por unidade de tempo desse único núcleo radioativo. A constante de decaimento l dá exatamente essa probabilidade.


FONTE:
http://www.ufsm.br/gef/Nuclear09.htm

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